Meu coração desejava que a vida fosse épica

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Em uma época da minha adolescência fui muito aficionado por épicos.
Eu lia e assistia épicos de todos os tipos, naqueles dias. Medievais, Gregos, Bíblicos, Fantásticos, Espaciais... E por ai vai. Talvez, parte dessa predileção por esse tipo de obra vem da descoberta do livro O Senhor dos Anéis, um épico de fantasia.

Lembro bem do impacto que esse livro teve na minha mente na época. Foi praticamente um dos primeiros livros "sérios" que li. Mas não irei contar aqui, minha relação com a Terra Média. Esse não é o ponto, aqui.

O ponto central é que, após o término de O Senhor dos Anéis, tive uma enorme carência por obras que me encantassem tanto quanto. Assim, corri por bibliotecas em busca de outros livros com o mesmo nível de "épicidade". Li Eneida, Paraíso Perdido, Ilíada, Odisseia, A Morte em Veneza, Beowulf, 300 de Esparta, vi Ben Hur, Star Wars, Legend of Galatic Heroes e mais uma porção de obras que sequer lembro, agora. O fato é que consumi um número grande de obras épicas e, para meu pesar, nenhuma delas me trazia o mesmo sentimento de encantamento que O Senhor dos Anéis me trouxe. Tolkien me fazia sonhar. Os outros, me traziam apenas boas histórias.

Assim, no auge da minha adolescência, meu coração desejava que a vida fosse épica. E ela simplesmente não era. Hoje, sei que nunca será. E isso me consumia naqueles dias. Por me consumir, eu buscava mais e mais. Algo que preenchesse essa vontade por um épico que me encantasse.
Ai, eu li o livro Ana Terra, no maior descompromisso.
E foi incrível.

Ana Terra é uma história que compõe a série O tempo e O Vento, obra de Érico Veríssimo composta de três romances. A série traz à tona acontecimentos e histórias de um grande épico, narrando os 200 anos do processo de formação do estado do Rio Grande do Sul. Seus três volumes, O Continente, O Retrato e O Arquipélago, trazem consigo o elemento que mais me atrai dentre as várias qualidades da obra, o espaço de Santa Fé.

Primeiro, na história “Um Certo Capitão Rodrigo”, o espaço de Santa Fé marca, de uma forma muito evidente, na minha opinião, uma inclemente separação dos personagens de acordo com a classe social de cada um. Assim, o espaço nessa narrativa funciona como um grande índice social. Dividindo os personagens, servindo como um grande setup para o conflito principal da história bem como ferramenta para o autor determinar tensão. Tensão esta, importantíssima para a construção do conflito. O elemento central do espaço é o casarão. Como ponto central de todos os personagens, representa o poder local, a classe alta. Além de funcionar como marcação narrativa da tensão e do conflito principal da história. Em oposição, à venda do Nicolau e o terreiro da casa de Joca Rodrigues, representam o espaço mais importante da narrativa envolvendo os personagens das classes mais pobres.

O Tempo e O Vento de Érico Veríssimo

A divisão do espaço entre classes fica óbvia no desenvolvimento narrativo no momento em que se nota os dois confrontos principais da história. O primeiro conflito entre Bento Amaral e Rodrigo Cambará. O segundo é na tomada do casarão. Ambos os conflitos só existem pela convergência forçada das duas camadas sociais distintas. Quando se expande a invasão indevida desses espaços pelas classes sociais opostas.

No conflito que arrebata Rodrigo e Amaral numa espiral violenta, este último está em um ambiente bastante vulgar. Para esclarecer, a vulgaridade, por pertencer ao espaço das classes mais pobres, é impróprio para ele, segundo os valores vigentes da época. Tal evento, estar em um lugar vulgar, permite o encontro do personagem com seu oponente, resultando no conflito. Perceba, a construção do espaço de Santa Fé dividido em duas partes antagônicas, permite que o espaço seja um recurso que possibilita tensão narrativa, a convergência das classes sociais, gerando assim, o conflito. O mesmo funcionar para a invasão ao casarão da família Amaral, embora nesse caso, resulta em representar o conflito final da história.

Nesse ponto é importante ter a noção de como funciona o narrador da obra. O foco narrativo fica, com algumas exceções tal qual a do capítulo “Do Diário de Silvia”, em terceira pessoa. Dessa forma, o narrador manifesta-se com discrição no decorrer da obra. Isso tem a funcionalidade de permitir que as ações e os sentimentos dos personagens sejam revelados sob um olhar arguto e bastante mordaz. Esse agravo, quando aplicado ao espaço de Santa Fé, o faz ser esse marcador narrativo para criar tensão e conflito. No fim, toda a montagem de recursos narrativos do livro, narrador em terceira pessoa aplicado ao espaço, tornando-o um marcador de setup de tensão e conflito, é o que dá força ao leitor para se envolver com a obra. Parte fundamental de O Tempo e O Vento.


Enquanto você não lê O Tempo e O Vento, que tal ler Robotizando? Não é épico, mas é literatura da boa e grátis, aqui no blog, dá uma lida!

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