Um imediatismo vibrante

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Na escuridão da noite, ele cavalga.
O cavaleiro negro, com sua capa esvoaçante e escura, a face escondida sob as abas largas do chapéu elisabetano
Trás nos braços, ela.
A donzela.
A mulher, jovem, de traços frágeis, os cabelos loiros jorrando ao vento, agarra-se aos braços do cavaleiro.
A montaria, um cavalo arredio, dança velozmente sob o luar.
Eles fogem de alguém. Alguém por demais perigoso. Um demônio movido pela fome de sangue.

A ilustração, plenamente pintada em preto e branco, com um pincel de cerdas grossas, tipicamente nipônico, era de roubar mente e espírito. Juntamente com o texto rápido, fluindo com a capacidade do pensamento, o horror da fuga crescia, tornando a ação sufocante.  Não apenas a ação da cena. Mas também, a ação de ler. Essa foi a primeira experiência de leitura completa, em outro idioma, que tive, cerca de 10 anos atrás.

E foi incrível.

O livro em questão chama-se Vampire Hunter D: Raiser of Gales e era o primeiro volume de uma série que, me envergonho de dizer, jamais terminei de ler. Escrita por Hideyuki Kikuchi e fantasticamente ilustrada por Yoshitaka Amano, lá pelos idos de 1983, Vampire Hunter D foi um dos precursores do movimento de publicação literária das chamadas light novels, dentro do Japão na época de seu lançamento e fora dele por volta de 2005/2006. É claro que, na época em que li eu sequer fazia ideia do que era uma light novel ou mesmo a existência do termo.

Lembro dessa experiência, pois, nos últimos anos, o ocidente tem tido muito contato com essa nova forma da literatura japonesa graças à propagação dos animes japoneses via internet. Com o acesso a que muitos ocidentais têm as temporadas completas de animações japonesas, que ocorrem a cada estação, fica exposta a existência da literatura light novel por meio das enxurradas de adaptações para animes que recebem todos os anos.

Vale lembrar que, em um contexto maior, as light novels são apenas uma parte da paisagem de publicação no Japão. A diversidade encontrada na literatura japonesa, de gêneros e formatos é bastante grande e, para nós ocidentais, extremamente desconhecidas. Primeiro, é importante saber que o nome Light Novel é uma wasei-eigo. Um termo japonês formado a partir de palavras no idioma inglês.

Literalmente traduzido como "Romance Leve", elas são curtas, tipicamente com não mais do que 40.000 - 50.000 palavras. Algo equivalente a uma novela, em termos de publicação brasileira. Raramente tem extensões superiores a 200 páginas.

Vampire Hunter D de Hideyuki Kikuchi

Light Novels despontam como evolução das revistas pulp, muito comuns na década de 1970. Para agradar seu público, a maioria das revistas pulp japonesas mudaram o estilo ao final da década, passando da clássica antologia de literatura barata com capas recheadas de ilustrações realistas, para o popular estilo de traço e composição mangá/anime em suas capas. Não só nas capas, mas começaram a colocar ilustrações no início de cada história, além de incluir artigos sobre cinema, animes na televisão e, uma década depois, videogames. Não apenas a estética das revistas pulp japonesas mudaram, mas também a narrativa evoluiu, sempre tentando agradar as novas gerações de público leitor, tornando-se totalmente ilustradas. O conteúdo tornou-se amplamente influenciado pelo cinema fantástico, buscando referência em filmes como Star Wars, Labirinto e Conan.

Assim, arrisco a dizer que Light Novels são, a grosso modo, romances para Jovens Adultos. Elas têm, como já dito, ilustrações e tendem a ser fortemente influenciadas pela estética do mangá japonês. A maioria das light novels nascem como ficções serializadas, publicadas no formato editorial bunkobon, um formato um pouco menor do que os livros de bolso que vemos em livrarias e, só depois de relativo sucesso, são publicados em forma de livro.

Um número crescente delas, também são desenvolvidas com o pensamento de dialogarem com outras mídias, num tie-ins de adaptações em mangás e versões animadas. Com texto ágil, elas são divertidas, leituras rápidas e, nesse ponto, eu acredito que as possamos chamar de "romances rápidos". Sua escrita tem um imediatismo vibrante. O que as torna muito mais acessíveis a um público menos experiente com literatura, do que a linguagem formal usada na maioria das ficções mainstream, principalmente a japonesa. Com frequência, as histórias são movidas por diálogos imersivos. Isto permite que a história flua rapidamente ao leitor, renovando sempre o interesse, permitindo que o leitor vire as páginas a uma velocidade cada vez maior.

Perceba que light novels não são criadas para serem turning pages, como os best-sellers ocidentais que sugam o público com a experiência de leitura, mas sim catching pages, ou seja, livros que priorizam a captura do interesse ao ler por meio de um elemento cativante. Junto com uma confiança no ritmo dos diálogos, light novels também têm desenvolvido seu próprio estilo literário. Rajadas curtas de texto, efeitos sonoros no melhor estilo mangá/quadrinhos e uma utilização, sem vergonha alguma de elipses narrativas, dão a esta literatura uma forma de ler única.

Assim, funciona como um estilo literário democrático. Apreciado por muitos, e desprezado igualmente por outros.


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