Fortemente inspira o ar pelo nariz.
Tranca nos pulmões.
Ele levanta a cabeça do travesseiro.
A perna ainda dói.
O rapaz deitado tenta esticar a perna mas ela ainda dói.
Está com ela levantada, apoiada em um cobertor fofinho.
Imobilizada.
Mas não faz diferença.
A dor não vai embora.
Ele tenta ajeitar a perna para ficar mais confortável.
Imediatamente desiste.
Sente uma picada muito forte no tornozelo.
O músculo do lado direito puxa.
A sensação é a de mil agulhas perfurando sua pele, penetrando na carne e rompendo a casca óssea do pé.
Dói.
Muito.
O rapaz desiste de se mover.
Descansa a cabeça no travesseiro.
Expira.
Faz um barulho rouco quando solta o ar.
Inspira.
Expira.
Relaxa o corpo.
Não ousa se mexer outra vez.
Olha para o teto.
Branco.
Os ombros estão tensos.
Duros.
A dureza dos ombros faz com que os braços vibrem.
Cada dedo treme como se fosse um mini-terremoto.
Dez mini-terremotos fazem o rapaz ranger os dentes.
Nervoso.
A dor não vai embora.
Ele está tenso.
Não é somente o ombro.
Todo o corpo está firme.
Fecha os dedos da mão.
Depois abre.
Fecha.
Abre.
Continua tremendo.
O rapaz fecha os olhos por um momento.
Respira fundo.
Tenta acalmar o corpo.
Difícil relaxar com a dor das agulhas invisíveis que insistem em perfurar seu pé.
Abre os olhos.
Vê.
O teto do seu quarto.
Branco.
Pensa, que se focar sua atenção em algo, não sentirá mais dor.
Sua mente irá distrair o corpo de seu flagelo.
As agulhas invisíveis e os mini-terremotos desaparecerão.
Não para sempre, mas ao menos até o horário de tomar sua medicação.
Foca sua atenção no teto branco do seu quarto.
Fecha os dedos da mão com firmeza.
Esquadrinha o ambiente com os olhos.
O Rapaz não quer mover a cabeça.
Primeiro percebe a sombra, a parte mais escura do teto branco.
A sombra provém da janela aberta na parede a sua direita.
Apenas parte da janela fica aberta.
A outra metade está sempre fechada.
Metade do vidro é meio rachado.
A borda é de alumínio.
Metade sempre fica fechada devido as persianas.
Elas também são de alumínio.
O rapaz pensa o quanto isso é pobre.
Abre os dedos das mãos.
Um por um.
Devagar.
Não está tremendo.
A mente distrai o corpo de seu flagelo.
Continua.
Olha bem para além da janela.
Para além do vidro.
O melhor que pode ver dali, deitado, são as nuvens.
Movendo-se muito lentamente, um milímetro por vez, no céu meio cinza meio rosa.
Talvez um milímetro seja muito para a movimentação de uma nuvem.
Talvez seja menos.
O rapaz pensa nisso por um momento.
A movimentação das nuvens do céu.
É como o seu estado atual.
Funciona igual.
Movimentar o corpo pouco a pouco.
Milímetro a milímetro.
Pedaço por pedaço.
O mundo do outro lado do vidro da janela está livre para se mover.
Talvez, pouco a pouco, o rapaz também possa estar.
Basta tentar acompanhar o movimento da nuvem.
Continuo.
Inexorável.
E inexoravelmente, o rapaz tenta erguer o corpo.
Respira forte.
Levanta a cabeça.
A mente não vai mais conseguir distrair o corpo.
Ergue as costas do colchão.
A dor vem sem cerimônias.
Como um carrasco sem clemência, o músculo da perna puxa.
A dor no pé é muito forte.
Fecha os olhos.
Ignora a dor.
Seja forte.
Usa as mãos para se firmar e empurra o tronco para traz.
Encosta na parede.
Ajeita o travesseiro nas costas.
Expira.
A dor é forte.
A lateral do pé e o tornozelo latejam.
As agulhas invisíveis avançam até a raiz dos ossos.
Dói.
Bastante.
Fecha os olhos.
Relaxa os ombros.
Os braços não tremem.
O terremoto pessoal se foi.
O segredo foi distrair o corpo com a mente.
O rapaz pensa que o segredo é a mente.
Sempre a mente.
E, naquele quarto, preso pela dor na perna, o rapaz nada tem além de sua mente.
Ela, assim como as nuvens, é impossível de prender.
Com a mente, o cérebro, à vontade, a imaginação, com tudo o que existe dentro de sua cabeça, o rapaz é livre.
Livre para vagar.
Para viver e viajar além do vidro da janela.
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