Da iniciativa dela

Entra no Shopping.
Deixa a chuva para trás.
O rapaz passa as mãos pela cabeça.
Os cabelos molhados pelos pingos d'agua caidos das nuvens.
O tempo esta nublado e muita chuva derrama-se depois de rodopios no ar pelo forte vento sul.
A água que cai do céu em pingos tem sido uma constante dos últimos dias deixando o rapaz receoso.
Receio e medo de ela não aparecer.
Mas a moça não havia ligado para ele naquela tarde.
Nem enviou mensagem ou sinal algum.
Ela não desmarcou o convite.
Então ele veio, na esperança de um encontro entre amigos.
Ou algo mais.
Caminha em direção a escada rolante.
Não sabe exatamente onde ela está.
Então procura o cinema, afinal, foi esse o pretexto para o convite.
Um filme no cinema.
Muitas pessoas vem de lá e de cá e o rapaz anda a esmo.
Pega a escada.
A sua frente uma mulher.
Mais velha e de cabelos e trejeitos sem graça.
A mulher se faz imediatamente uma estátua à frente.
Parada no degrau que se movimenta.
Se faz acompanhar de uma criança de tenra idade ao colo.
A menininha está voltada para trás.
Olha fixamente o rapaz!
Nesta circunstância, impossibilitado de avançar ou recuar, o rapaz vê três opções possíveis:

1- Evitar contacto visual com a criança;
2 - Aceitar o desafio e confrontá-la com ar de mau;
3 - Armar-se em palhaço e entretê-la, ainda que discretamente.

Ele pondera seriamente sobre o assunto.
O problema é que, seja qual for a opção que tomar, a criança pode chorar.
E se desata a verter-se em lágrimas, o rapaz está tramado.
Tenha ele culpa ou não.
Será imediatamente alvo de um olhar desconfiado do adulto que a transporta.
A pessoa que o antecede nas escadas procura, por qualquer forma, mostrar-se alheio a qualquer responsabilidade pelo choro da criança.
Resolve o problema.
Tenta converter seu rosto em uma carranca simpática a criança.
Não deu tempo.
Olha rapidamente ao outro lado.
Em cima, no andar de destino das escadas rolantes, a apenas alguns passos de distancia, ela está esperando.
A moça.
Está lá, esperando por ele.
Ela não desmarcou.
Não evitou encontra-lo.
Aceitou o convite e compareceu ao encontro.
Um encontro entre amigos.
Para ela.
Uma pontinha de esperança.
Para ele.
O rapaz entra em agonia.
A escada demora e a estatua a sua frente não se mexe.
Espera a lentidão da máquina.
A crinaça olha firmemente nos olhos do rapaz.
Desvia o olhar, sem paciência.
Finalmente, chega ao destino.
De maneira atrapalhada, desata a andar até sua amiga.
A moça está apoiada no parapeito do andar.
Olha distraidamente para o cenário abaixo.
Pessoinhas caminhando para lá e para cá, como formiguinhas, vivendo suas vidas.
Alheias ao momento que se desenrola.
O momento em que o rapaz aproxima-se da moça.
Ela, um perfeito portrait de petit, trajado com vestido preto amarrado com uma faixa da mesma cor, terminado e um laço delicado.
Faz seu gesto natural de boas vindas.
Os dedinhos levantados em um V de paz ou de vitória.

Rapaz - Oi.

A moça vira-se fnalmente.
Os bracinhos miudos estendidos a frente do corpo, mãos firmes segurando a bolsa.
Postura tímida.
Inclina a cabecinha para a esquerda e fala.

Moça - Oi.
Rapaz - Demorei muito?
Moça - Um pouco.
Rapaz - Faz muito tempo que você chegou?
Moça - Uns vinte minutos.
Rapaz - Ah!
Moça - Eu cheguei no horário.

Ela fala em tom de brincadeira.
Balança os cabelos a cada palavra expelida.
Ele fica vermelho.
A mão conçando a cabeça.
Os pés inquietos.

Rapaz - Eu também.
Moça - Não. Eu estava na hora marcada e você não.
Rapaz - Eu cheguei na hora certa, mas estava te esperando lá na porta.
Moça - A principal ou lateral?
Rapaz - Hum... não sei. A porta perto do ponto de ônibus.
Moça - Eu entrei pelo outro lado.
Rapaz - Puxa! E eu te esperando este tempo todo.

HA!HA!
HA!HA!

Ele ri forçadamente.
Ela sorri em resposta.
Os lábios torcidos para cima, as boxexinhas do rosto se erguem feito maças suculentas, os olhinhos se fecham pelo meio.
Belo e mágico sorriso.
O mais belo sorriso de espontaniedade que o rapaz já viu.
Ele aproveita e se aproxima.

Rapaz - E então?
Moça - Então?
Rapaz - Achei que você não fosse vir.
Moça - Por que?
Rapaz - Pela chuva e pelo frio.
Moça - Bobagem. Você marcou e eu vim.
Rapaz - Simples.

Ela olha para os lados.
Agora para baixo.
O cabelo comprido movendo como a corrente de um rio.
Ele olha no relógio.
Torce a boca.

Rapaz - Melhor a gente ir.
Moça - É?
Rapaz - Sim,o filme já vai começar e a fila está grande.

A moça vira-se e vê a enormidade da fila para comprar o bilhete.
Pessoas saindo até para fora do espaço do cinema.

Moça - Nossa! Que fila!
Rapaz - Eu deveria ter chegado mais cedo.
Moça - Nem tinha visto a fila.
Rapaz - Vamos.

Faz um movimento e bota as mãos no bolso.
Ela o segue com timidez clara.
Na fila o rapaz observa a moça disfarçadamente.
As pernas bem fininhas, enfiadas em botas negras de cano alto.
O nariz terminado em uma curva com o piercing cravado na lateral.
As unhas recém feitas e pintadas em um azul água, lindo, lindo e lindo.
Durante a espera na fila falam sobre coisas triviais.
A voz dela falando da irmã somo uma caixinha de musica tocando La Traviata.
As mãos do rapaz firam uma água de tão fria e suada.
Sente como se fosse derreter de tanto nervoso.
Ela é especial.
Amigos.
Mas com a possibilidade de algo a mais.
Ao menos para ele.
Tem essa vontade desde o dia em qua a notou pela primeira vez.
Lembra como se fosse ontem.
A moça comendo a empada e bebendo de um refrigerante.
Os fiapos de frango desfilando queixo a baixo.
Foi o instante em que ele se apaixonou.
Esse convite foi a certeza da coragem de tentar.
Uma tentativa de expressão.
Tentativa de reação.
Paixão.
Ele compra o ingresso.
Não do filme que iriam ver.
Ele estava esgotado.
Teve de ser outro.
Mas o filme não importa.
O cinema não importa.
Apenas ela.
O momento.
A chance.
A vontade.
É o que importa.
As portas se abrem.
O escuro da sala de projeção se faz presente.
Sobem as escadas e procuram os acentos.
15 e 16.
Sentam.
O rapaz ajeita-se.
Ela olha para a frente.
Evita o olhar do rapaz.
O filme começa.
Escuro.
Barulhento.
Ela fala.
Ele não escuta.
La Traviata está sobreposta por a ACDC.
O rapaz responde qualquer coisa.
Ele somente quer olhar apara ela.
Para a boca dela.
A moça percebe.
Larga a mão ao lado da poltrona.
Encosta na mão dele.
O rapaz respira fundo.
O coração dispara.
Respira ofegante.
Toca nos dedos dela.
Frio.
A mão dela é fria.
Pouco a pouco, conforme o andar do filme, as mãos encostam-se.
Um gesto lindo.
Um gesto decisivo.
O rapaz não sabe o que ela está pensando.
Está com medo.
Treme.
O que a moça vai achar?
Tem medo de ser rejeitado por ela.
A moça não esboça reação.
Ele avança.
Entrelaça os dedos grandes dele nos dedinhos pequeninos dela.
Ela inclina a cabeça para mais perto do rapaz.
O rapaz trava contato visual com a moça.
Num subito, segura firme a mão dela.
A moça sorri.
Se aproxima.
Ela fala.
Ele responde.
Sente o ar tornar-se mais denso.
Calor.
Tremor.
Temor.
Sente o cheiro dela.
O cheiro do cabelo dela.
Encosta no ombro da moça.
A cabeça dele chega perto.
Da boca dela.
Se deixa levar.
A moça inclina o rosto.
Os lábios rosados entreabertos.
Dentinho branquinho a mostra.
Ele abre sua boca.
Encosta.
Contato.
Amigos em contato.
Faíscas de energia percorrem o corpo de ambos.
Os pelos do corpo se arrepiam.
Toca na maçã do rosto dela.
Macia.
Lisa.
Quente.
Os lábios em contato entregam-se em um beijo denso.
Intenso.
Linguas em contato.
Saliva.
Fluído.
O fluído da decisão.
O beijo define o caminho a se percorrer.
O contato fora feito.
Primeiro como amigos.
Agora amantes.
Ao menos, no instante do toque.
A possibilidade surgida da coragem dele.
Da iniciativa dela.
Dali o futuro é incerto, mas o momento, eterno.

Um comentário:

  1. Adoreeeeeei Thomaz!!! Muito bom! =D
    Boa descrição. Detalhes somente nas coisas mais essenciais. Que intenso, envolvente! ^^

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