Vermute Baby

(publicado na integra no link: http://www.onerdescritor.com.br/2010/06/vermute-baby/)

I

O bar.
Do lado de fora, o néon brilha.
Dentro, a mulher espera.
No balcão.
Põe o cigarro na boca.
Acende.
Fuma sorrindo.
Solta uma arfada de ar.
A fumaça é expelida.
Desvanece.
Outras pessoas bebem no bar.
Ela olha.
Para.
Pensa.
Está se arrastando entre bêbados.
Como um corpo amorfo.
Vira-se para o barman.
Faz um gesto com os dedos.
Pede.

Mulher - Um Vermute.
Barman - Certeza?

Ela se inclina para frente.
Repete.

Mulher - Vermute.
Barman - Ok.

Ele destampa a garrafa.
Pega o copo.
Despeja a bebida.
Põe no balcão.
A mulher olha o copo.
Segura.
Ergue.
Leva a boca.
Bebe de um gole só.
Desce pela garganta.
Queima.
Arde.
É um gosto acido.
Forte.
Penetrante.
Ela faz careta.
Engasga-se.
Tosse.
O barman dá um sorrisinho.
É de desdém.
Um sorriso estilo "eu sabia".
Ou "mulher não agüenta beber".
Ela não gosta.
Bate o copo na mesa.
Com um sorriso de canto de boca, pede.

Mulher - Mais.

O barman balança a cabeça.
Sorri em contragolpe.
Torna a encher o copo da mulher.
Ela torna a beber de um único gole.
Na segunda vez não queima tanto.
Esforça-se para não fazer careta.
Não engasga.
Torna a pedir.
Ele torna a encher.
Ela dá outra tragada no cigarro.
Longa.
Olha em volta.
O chão é de madeira.
As paredes são vermelhas.
Cartazes de filmes antigos decoram o ambiente.
Desbotados.
Pessoas bebem em mesas ao fundo.
Outras tentam dançar ao som da Jukebox.
Rock.
Anos 80.
Tosco.
As pessoas dançando, são toscas.
Solta um longo suspiro.
Observa a fumaça que sai da própria boca.
Do fumo.
Doses e mais doses de vermute.
A mulher sente-se cansada.
Prisioneira.
Lamenta.
Uma completa ausência de atitude.
Está ali, no bar.
Bebendo vermute.
Bebida ruim.
Pensando.
Na vida.
Na sua merda de vida.
Também.
No merda do chefe.
Babaca.
Não agüentava mais analisar papéis.
Aqueles papéis malditos.
Da Agência.
O Chefe sabia.
O Puto sabia.
Depois de dezenove horas de trabalho.
Ininterruptas.
A boca.
Começa a salivar.
A cabeça deixa de funcionar.
Passa a funcionar no automático.
Trabalhando sem pensar.
Dezenove horas ininterruptas.
E o babaca saiu de sua sala.
Precisa dela "por mais duas horas", pois "o cliente cobra o relatório".
Vinte e uma horas.
Sem parar.
Foda-se o cliente.
E o relatório.
E o emprego.
A merda do emprego.
Justa causa "sua lunática".
Foi o que ele disse.
Ela respondeu.
Pegou-lhe o teclado e abriu-lhe o nariz.
O puto sangra.
O emprego dança.

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