Meio fresca e meio fina.


Existem vários tipos de chuva.
Chuva Forte.
Tempestade.
Chuva que cai deitada.
Garoa fina.
Pingos sobre as lentes dos óculos.
Chuva que escorre pelos cabelos dela.
Beijo sob a chuva fresca.
O beijo molhado da moça.
E a moça, acompanhada do rapaz, em frente ao portão da sua casa.
É a primeira vez que ele a leva até ali.
Caminharam sob a chuvinha de inverno.
Meio fresca e meio fina.
E ali estão.
De mãos dadas em frente ao velho portão de metal.
Ambos molhados.
A moça com cabelo úmido.
A gota de água que escorre pelos óculos do rapaz.
Ela sorri.
Leva uma das mãos até o rosto do rapaz.

Moça - Obrigado pela noite.

O rapaz, tímido, olha para baixo.
Inclina a cabeça para o lado.
Tenta aproveitar ao máximo o toque das mãos dela.
Faz um movimento.
Segura delicadamente aquela mãozinha tão pequena.
Macia.
Como um fofo estojo de cetim.

Rapaz - Eu que agradeço.

Entrelaçam os dedos.
Ele dá um passo a frente, hesitante.
Deixa seu corpo bem próximo ao dela.
Ela respira de maneira pausada.
Controlada.
O coração do rapaz acelera.
Com a mão livre segura a cintura da moça.
Firme.
Faz um pouco de força e a puxa mais para perto.
Deixa colada ao seu corpo.
Ela sorri e desvia o olhar.
Ele beija com cuidado sua bochecha.
A moça fica ruborizada.

Rapaz - Está vermelhinha.

Ele fala brincando.
Com uma carinha sapeca.

Moça - Bobo.

O rapaz aproxima sua boca da boca dela.
Fala baixinho.

Rapaz - Todo homem apaixonado é um bobo.

A moça oferece uma risadinha leve.
Contida.
Leva os dedinhos até a nuca dele.
Segura o cabelo dele.
Ele aperta ainda mais a cintura dela.
Olham um para o outro.
Um olhar na mesma sintonia.
Os olhinhos castanhos dele.
Os olhinhos esverdeados dela.
Chuva que cai.
Escorre na face do casal.
Uma gota desce pela testa dela.
Percorre as curvas do nariz.
Pinga.
Atinge os lábios dele.
Friozinho na boca do rapaz.
Pressão.
Um lábio no outro.
Roçam.
Forçam
Tocam.
Beijo.
Existem vários tipos de beijo.
O beijo sob a chuva é um exemplo.
Funciona como uma valsa.
Ritmada.
Com passos simples.
Pode ser infinita na duração.
Mas é sempre divertida no dançar.
Mas ao invés de pés, nesta valsa tem-se os bocas.
E as bocas do casal, quando em contato, brincam uma com a outra.
Deliciosamente as peles escorregam uma na outra.
Ela aperta ainda mais forte a cabeça do rapaz.
Ele retribui com a língua.
A moça finaliza com uma mordidinha na parte inferior.
O momento, que parecia eterno, se rompe.
O contato se rompe.
O beijo termina.
Continuam se olhando.
Ele vê o sorriso sincero da moça distendendo-se por todo o rosto.
As maças da face ficam salientes.
O rapaz gosta.
Desfila seus dedos e acompanha as curvas da face dela.
As maçazinhas.

Rapaz - Tão lindas.

A moça fecha os olhos miúdos com vergonha repentina.

Rapaz - Não fique com vergonha.

Agora mesmo é que ela fica envergonhada.
Leva as duas mãos para frente da cara.
Os dedos bem esticados.
Tenta se esconder.
Ele segura as mão dela, repentinamente.

Rapaz - Eu te amo.
Moça - Eu sei.

Mais um beijo.
Agora rápido.
Simples.
Quase infantil.
A chuva aumenta um pouco mais.
O cabelo dela está encharcado.
O rapaz olha para cima.
Sente o impacto de cada gota nas lentes de seu óculos.

Moça - Melhor eu entrar.

Ele olha para ela.
Está um pouco decepcionado.
Não quer que a noite chegue ao fim.

Rapaz - Já?
Moça - Sim.
Rapaz - É uma pena.
Moça - Eu sei. Mas eu não posso me molhar muito. Minha mãe não vai gostar de saber que andei na chuva.
Rapaz - Ou de eu te trazer até aqui?
Moça - Também.
Rapaz - Eu imaginei.
Moça - Ela acha que eu vou ficar doente se me molhar muito.
Rapaz - Você nunca fica doente.
Moça - Eu sei. Ela sabe. Mas é preocupação de mãe. É normal.
Rapaz - Entendo. Melhor entrar, então.
Moça - Não sem um beijo.

Ela sorri.
Ele devolve com o beijo pedido.
Correspondido por ela.
Rápido, intenso e fortificante.
Para ele, um pouco melancólico também.

Moça - Tchau.
Rapaz - Tchau.

Ela se vira e abre o trinco do portão.

Rapaz - Nem está trancado dessa vez.
Moça - Tchau.

Ela dá um aceno de mão.
Está mandando ele embora.
O rapaz sabe que tem de ir.
Só não tem coragem.
Não quer se separar dela.
Mas é preciso.
É necessário.
É obrigatório.
O rapaz acena de volta.
Observa ela caminhar devagarzinho pelo piso de concreto da entrada da casa.
Ele começa a caminhar rua abaixo, sempre olhando para trás.
A chuva cai.
Escorregadia.
Fria.
Molha a calçada.
Encharca a roupa dele.
Sozinho, de volta para casa, o rapaz caminha.
Chuva de inverno.

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