Real

O rapaz está sentado na cama.
As costas apoiadas na parede.
A janela aberta pela metade sopra em vento gelado.
Os carros vão e vêm, lá fora.
Barulho e barulho.
Dentro do quarto, o silêncio.
Ao lado do rapaz, a moça está deitada.
Enrolada no edredom.
A mão sobre a perna dobrada.
A cabeça apoiada no urso de pelúcia.
Marrom.
Macio.
Grande.
A boquinha da moça fica meio aberta.
O cabelo comprido sobre os olhos fechadinhos.
O peito comprimindo e exprimindo.
O ritimo da respiração.
Ela está dormindo.
Bela.
Meiga.
Doce.
Sensual.
Real.
O rapaz a observa e não crê.
Não crê na existência da moça.
Ela está ali, deitada sobre sua cama.
Dormindo.
Existindo.
Ao lado dele.
O rapaz inspira.
Suspira.
Inclina-se com cuidado sobre a moça.
Não quer acorda-la.
Poe a mão sobre o peito.
Ouve o coração da moça.
Sente o sobe e desce dos musculos.
Aproxima a boca da testa dela.
Beija.
Suave e delicadamente.
Afasta o cabelo do rosto dela.
Volta a encostar na parede.
Joelhos dobrados.
Olhos fechados.
Marca bem a imagem da moça dormindo.
Como um animalzinho todo meigo.
Ele apenas ouve o som constante dos carros.
Da respiração da moça.
O som do silêncio do quarto.
Seu próprio respirar.
A sinfonia do simples existir.
E ali, existindo, de olhos fechados, surge a epifania da sua vida.
A compreensão de sua essência.
O significado seu.
E finalmente, no sabado, ele percebeu.
Estava sem um sonho para sonhar.
Surpreendeu-se.
Preocupou-se em seguida.
Ele acreditava que todos precisavam de um sonho para viver.
Naquele exato instante não tinha nenhum.
Isso bastou para gerar uma grande aflição.
Não sabe o que houve com seus sonhos.
Também, jamais pensara sobre isso.
Onde foram parar?
Estão todos mortos.
Seus espítos idealizados vagando pelo universo.
Descarnados.
Os sonhos perderam a pele.
Travestiram-se de nada.
Foi no sabado que o rapaz notou.
Finalmente.
Seu coração abriu e os sonhos fugiram.
Todos eles.
Se é que um dia realmente existiram.
Tudo o que sobra é uma carcaça vazia.
Oca.
Inútil.
Pronta para ser jogada fora.
No lixo.
A moça se mexe.
Encolhe os ombros.
Recolhe as mãos para mais perto do rosto.
O rapaz torna a abrir os olhos.
Vê a moça outra vez.
Agora, sente-se diferente.
Sem sonho.
Sem idealização.
Apenas o sentido.
Sentimento.
Percebe o sentimento pulsante e vibrante no fundo da sua alma.
A moça emoldurada para uma eternidade.
O sentimento substitui o sonho.
O sonho morreu.
O amor nasceu.
A partir da paixão.
Por ela.
Sonho.
Com ela.

Um comentário: